"Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas conscientes e engajadas possa mudar o mundo; de fato, sempre foi, somente, assim que o mundo mudou."
(Fritjof Capra)
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domingo, 12 de dezembro de 2010
Qualidade em educação? Depende...
Rubens B. de Camargo fala sobre qualidade da Educação
Especialista em políticas educacionais defende que o país precisa mais do que dobrar o volume de recursos destinado ao sistema de ensino
Elisângela Fernandes mailto:novaescola@atleitor.com.br
RUBENS BARBOSA DE CAMARGO
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O Brasil investiu no ano passado 4,7% do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação. A Unesco recomenda no mínimo 6%. Isso é suficiente?
CAMARGO Acredito que não. O Brasil ainda investe muito pouco. Penso que aplicar 6% do PIB é suficiente quando o sistema já funciona bem. E nós ainda temos de superar vários gargalos, como universalizar o acesso à Educação Infantil e ao Ensino Médio. Por isso, defendo que temos de investir 10% do PIB até que essas questões estejam superadas. Quando tivermos uma capacidade instalada e com fluxo correto, inclusive com a estabilidade da taxa de natalidade, será possível voltar ao patamar de 6 ou 7% do PIB ao ano, nível atual de muitos países. Mas, para instalar essa capacidade com um padrão mínimo de qualidade, o investimento tem de ser ampliado, e muito.
Uma lei recente tenta atacar esses gargalos ao tornar o ensino obrigatório para todos dos 4 aos 17 anos, incluindo a Educação Infantil e o Ensino Médio. De que modo essa decisão pode ajudar a valorizar o magistério?
CAMARGO Em vários países que já têm todos os segmentos da Educação Básica como obrigatórios, exige-se uma formação melhor justamente dos que atuam na Educação Infantil. Há todo um cuidado no interagir com as crianças menores de forma a levá-las a conviver, organizar-se, brincar e, claro, aprender. Muitos desses países exigem pós-graduação e remuneram por isso. Aqui, infelizmente, ocorre o contrário. Ainda hoje, no caso das creches, o atendimento é feito por sistemas conveniados e muitas das pessoas que trabalham nessas entidades nem sequer têm formação. Na minha opinião, estamos muito distantes do razoável.
Ampliar o volume de investimentos pode trazer melhorias diretas na qualidade do ensino?
CAMARGO Creio que sim. Sem dúvida, essa é a medida que pode ter mais impacto no curto prazo. Salários melhores têm impacto direto na atratividade e na permanência na carreira. Gente que gosta da profissão, mas a deixou por questões financeiras, deve retornar. Ao investir mais, é possível atrair os bons alunos do Ensino Médio e construir uma carreira mais atrativa. Há muitos países que têm como política de estado atrair os melhores jovens para a Educação. Com isso, garantem a preservação da ideia de nação, de sociedade, de futuro, de cultura etc.
Que outros fatores são necessários para provocar uma melhora nas condições de trabalho e na qualificação de nossos professores?
CAMARGO O professor é uma condição essencial para garantir a qualidade da Educação. Por isso, ele precisa de jornada justa, boa remuneração, bibliotecas, vídeos, computadores, quadras e formação permanente. Ninguém pode parar no tempo. Com boas condições, a qualidade evolui. Além disso, é fundamental criar uma visão mais dinâmica da escola, perceber que o aluno aprende o tempo todo e, por isso, não só o professor é essencial - também o diretor, o coordenador, a merendeira, o vigia e todos os funcionários educam. Infelizmente, porém, poucos têm consciência disso.
Em muitas redes, mais da metade da equipe docente é formada por professores temporários. É possível exigir qualidade nesse contexto?
CAMARGO Esse é outro problema grave da nossa Educação. É absurdo, mas há temporários há cinco, dez anos nessa situação, o que só torna evidente a ausência de uma política de profissionalização da carreira docente.
A chamada Lei do Piso ajuda na valorização dos professores?
CAMARGO A aprovação da Lei 11.738 é uma vitória importante dos trabalhadores em Educação. É uma bandeira muito antiga. O Fundef, ao destinar no mínimo 60% dos recursos para pessoal, havia contribuído para melhorar os salários em muitos estados, principalmente no Norte e no Nordeste. Mas o ponto mais relevante da lei, seu grande mérito, é destinar um terço do tempo de trabalho para atividades extraclasse - preparar aulas, participar de atividades de formação continuada, corrigir provas, atender a comunidade. Precisamos entender que o trabalho do professor não se restringe ao momento em que está com os alunos. Essa medida certamente terá muito impacto na aprendizagem. Porém ela também impacta a folha de pagamento e é por isso que cinco estados foram ao Supremo Tribunal Federal com uma ação de inconstitucionalidade da lei. O que nos leva, de novo, à questão central: se a Educação é um valor, uma prioridade, é preciso investir, certo?
Outro item que adquiriu grande relevância no cenário educacional brasileiro são as avaliações externas, como a Prova Brasil. Por que é tão difícil usá-las para melhorar a qualidade dos sistemas públicos?
CAMARGO A avaliação faz parte de todo e qualquer processo pedagógico. Só que essa cultura de avaliação externa, sistemática e centralizada, não tem nada a ver com o processo pedagógico. É por isso que elas ajudam pouco (ou nada) a melhorar a qualidade dos sistemas. Todo professor sabe que, num teste, só deve perguntar aos alunos sobre aquilo que foi, de fato, ensinado. E essas provas avaliam coisas que ninguém sabe se foram ensinadas nas escolas. Aqui, em São Paulo, por exemplo, em apenas dois meses do ano passado (outubro e novembro) os alunos fizeram a Prova Brasil, o Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp) e a Prova São Paulo, na rede municipal. Foram avaliadas basicamente as mesmas disciplinas e os mesmos anos. Porém ninguém sabe dizer para onde convergem os resultados. Eles provam que o professor está ensinando mal? Que os alunos não estão aprendendo? Na minha opinião, acreditar nisso é pensar muito pequeno, é ignorar a responsabilidade dos gestores escolares e, claro, dos governantes nesse processo. Eu vejo toda essa cultura das avaliações externas como uma estratégia para tentar determinar alguns culpados e desresponsabilizar outros. E defendo a importância de pensar em quais critérios devemos utilizar para fazer essas avaliações, quais devem ser seus objetivos e, principalmente, qual é o uso que queremos fazer desses instrumentos. É triste ver que ninguém faz absolutamente nada com esses resultados. Essas avaliações globais são caríssimas e os diagnósticos, hoje, não trazem nenhuma perspectiva de solução ou direcionamento, seja para o professor, seja para o gestor da escola, seja para os técnicos da rede.
No momento em que se discute um novo Plano Nacional de Educação (PNE), o que esperar dele?
CAMARGO Há muito tempo o Brasil discute a universalização do ensino e a melhoria da qualidade, mas os governantes nunca colocaram, de fato, a Educação como uma prioridade nacional. O atual PNE foi criado há dez anos. Na época, havia duas propostas: uma do governo e outra da sociedade civil, que pedia investimentos da ordem 10% do PIB. Foram convocadas várias audiências públicas para discutir o assunto e chegou-se a 7%. Essa proposta foi aprovada pelo Congresso, mas o presidente Fernando Henrique Cardoso vetou nove artigos, quase todos relacionados ao financiamento. Alegou-se, na época, que eles violariam a recém-criada Lei de Responsabilidade Fiscal. No governo Lula, ninguém mexeu nisso. Agora, percebo que houve uma grande participação popular na construção do novo plano. E isso é muito bom porque exige comprometimento dos municípios, dos estados, dos sindicatos. Acredito que um dos principais efeitos positivos é a própria construção do plano, na medida em que ajuda a conscientizar as pessoas sobre a possibilidade de exigir seu cumprimento. Foi isto que faltou ao plano anterior: acompanhamento das metas.
É possível acreditar num salto de qualidade em nossa Educação?
CAMARGO Só quando tivermos recursos suficientes destinados às redes públicas de ensino e quando a sociedade participar mais, acompanhando o que ocorre dentro das escolas, tanto as públicas como as particulares. A presença da sociedade civil é fundamental, assim como dar voz a todos os profissionais da Educação, não somente aos professores. Precisamos desenvolver planos de carreira que sejam atraentes para todos os cargos. Estamos caminhando a passos muito tímidos para isso, mas estamos. Quando o governo federal estima em 7 bilhões de reais a complementação do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) para este ano, temos de celebrar, pois isso significa um aporte de recursos nunca visto antes. Outra questão fundamental, a meu ver, é a manutenção do salário Educação, que neste ano deve alcançar 8 bilhões de reais. Em alguns lugares do Brasil, já vemos um envolvimento maior da comunidade e muitos gestores mais bem preparados para o exercício de suas funções. Vemos que a atuação de alguns conselhos de escolas e de Educação faz com que as coisas andem melhor. Os caminhos já foram apontados e estamos dando os passos, ainda lentos, para concretizar aquilo que está previsto na Constituição de 1988. Antes tarde do que nunca.
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