quinta-feira, 3 de março de 2011
Eu sei que a gente se acostuma, mas não devia...
Eu sei, mas não devia
(Marina Colasanti)
Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.
A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.
A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto.
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.
A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.
A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
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A resignação é um dos males maiores. Não nos podemos conformar, temos de questionar e ir à luta ;) bjs
ResponderExcluirÉ muito mais fácil caminharmos sobre terra firme, do que nos arriscarmos caminhando em uma fina camada de gelo.
ResponderExcluirA terra firme, é a rotina. A fina camada de gelo, são os desejos.
Muito lindo *-* Beijos
Acho que o povo não só vem se acostumando com tudo como na verdade se acomodaram com tudo,passaram a aceitar tudo o que há de ruim e de errado por aí a fora,os seres humanos estão se isolando ,estão cada vez mais omissos e individualistas,reclamam de tudo mas não capazes de fazer algo para melhorar,a não ser quando a dor de barriga lhes batem na porta.Dizem que não mudarei o mundo nem a as pessoas,mas quem disse que quero isso ,na verdade nem tenho esse direito ,cada um tem seu livre arbítrio,apenas gostaria que as pessoas ,aquelas que vivem em seu mundinho de BOB acreditando que o mundo é bom só porque tem um carrão,um corpão,uma mansão,ou mesmo que seja tudo ao inverso simples mas esteja sem problemas aparentes,parem só um pouco e se perguntem?O que faz de mim um ser diferente para não me preocupar com o mundo lá fora com o coletivo,pois o estuprador ou pedofilo que atacou uma mulher poderá me atacar,ou o assaltante que assaltou um cidadão,poderá me assaltar também,ou seja todos vivemos no mesmo planeta e podemos ser vitimas da nossa inércia e ou omissões!OS SERES HUMANOS NÃO SE ACOSTUMARAM APENAS SE ACOVARDARAM EGOÍSTAMENTE!ABRAÇOS ADOREI SEU BLOG TAMBÉM!
ResponderExcluirGosto de ver este teu lado optimista!!!!!
ResponderExcluirlol Toma!!!
Belo o teu texto...Humildemente te digo...até poderia ter sido escrito por mim (não leves à mal a comparação:))
O acostumar, a rotina, a subservência,o abdicar dos sonhos...É isso que nos mata!!
Dá que pensar!... Gostei da forma como observaste o mundo em teu (nosso) redor.
ResponderExcluirBeijinhos e bom fim-de-semana
A pior coisa que pode acontecer a uma pessoa é o comodismo.Precisamos de desafios para nos sentirmos verdadeiramente vivos!
ResponderExcluirAbraços e bom fim de semana para você!
Se a gente não se acostumasse como é que sobrevivia?
ResponderExcluirEste acostumar é inerente a todo o ser vivo, faz parte da lei da,
SOBREVIVÊNCIA.
Gostei deste espaço.
Um espaço a "espreitar" com mais tempo.
Logo,
voltarei!
Parabéns pela riqueza dos textos e pelo lindo blog. Agradeço a visita carinhosa, será um prazer te seguir...
ResponderExcluirLindo texto Rosa, belo,belo...cheio de significados importantes, FECHAR OS OLHOS JAMAIS!!!
ResponderExcluirTenha um Lindo Fim de Semana e um Carnaval na Paz e Alegria!!
Beijinhos minha Querida!!!
Muita LUZ!!!